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SP Escola de Teatro recebe a visita do diretor, dramaturgo e teórico indiano Rustom Bharucha

Entre os dias 14 e 30 de outubro, a SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco teve a honra de receber em suas unidades Brás e Roosevelt o escritor, dramaturgo, diretor e teórico indiano Rustom Bharucha (1953), referência mundial em temas como interculturalismo, laicidade, história oral e decolonialidade.

A visita de Bharucha foi articulada pela área de projetos internacionais da Escola, coordenada por Marcio Aquiles. Bharucha participou de conversas com coordenadores dos oito cursos técnicos, conheceu as instalações da Escola e também acompanhou as atividades dos estudantes, assistindo a aulas e experimentos, além de promover uma aula magna.

“O pesquisador Rustom Bharucha é mais um nome de ponta no cenário internacional a lecionar na SP Escola de Teatro. Ele é um dos teóricos mais importantes a pesquisar teatro decolonial no mundo, autor de inúmeros livros consagrados sobre o tema. Além de ministrar aulas, Rustom acompanhou os nossos experimentos e teve uma excelente recepção ao trabalho desenvolvido por nossos estudantes, manifestando, inclusive, o desejo de escrever sobre o sistema pedagógico da Escola num futuro muito próximo”, afirma Ivam Cabral, diretor-executivo da Instituição.

Formado em dramaturgia pela Escola de Drama de Yale entre 1977 e 1980, Bharucha recebeu seu doutorado em Crítica Dramática pela mesma instituição em 1981. Ao longo dos anos, publicou diversos livros, incluindo Theatre and the World (1993), The Question of Faith (1993), Chandralekha: Woman/Dance/Resistance (1995), In the Name of the Secular (1999), The Politics of Cultural Practice (2000), Rajasthan: An Oral History (2003), Another Asia: Rabindranath Tagore and Okakura Tenshin (2006) e Terror and Performance (2014).

Leia a entrevista completa com Rustom Bharucha:

Como você conheceu a SP Escola de Teatro e como se deu o contato com o Marcio Aquiles [assessor de relações internacionais da Escola] e com o Rodolfo García Vázquez [coordenador do curso de Direção da Escola] – contato que acabou gerando esse rico intercâmbio?

Curiosamente, foi durante a pandemia da Covid-19 que tomei conhecimento da SP Escola de Teatro pela primeira vez. Isso aconteceu depois de assistir, na minha cidade natal, Calcutá, na Índia, à produção digital transnacional de Rodolfo, The Art of Facing Fear. Fiquei impressionado com a imediaticidade performativa da peça, que reuniu atores de diferentes continentes e fusos horários. Pouco tempo depois de assistir àquela produção, fui apresentado ao Rodolfo, e começamos uma conversa online sobre decolonialidade, que resultou em uma entrevista gravada sobre minhas visões a respeito da política do interculturalismo. Essa foi a base para meu aprofundamento no conhecimento sobre a SP Escola de Teatro, que me pareceu decolonial em sua visão e prática. Outras conversas com o Rodolfo acabaram nos levando a um encontro em Gana, durante uma conferência organizada pela International Federation of Theatre Research, onde dividimos um painel sobre pedagogia performática decolonial.

Eventualmente, o convite para a SP Escola de Teatro se concretizou, e foi então que entrei em contato com o Marcio, que planejou minha viagem com um cuidado meticuloso, garantindo que eu tivesse uma rica exposição à diversa e vibrante cultura teatral de São Paulo. De fato, em sua curadoria atenta, que incluiu espaços como o Teatro Oficina, o Teatro Heliópolis, um centro de umbanda na periferia da cidade e Os Satyros, tive a oportunidade de vivenciar concretamente o que o conceito de “território” significa na megalópole de São Paulo, cujo terreno nunca é previsível. Nem é preciso dizer que me senti mais próximo da Praça Franklin Roosevelt — o centro nervoso, incubadora e lar da SP Escola de Teatro — à qual está visceralmente ligada. Olhando para trás, posso dizer que essa foi uma das minhas experiências interculturais mais ricas — ao mesmo tempo íntima e cheia de percepções críticas.

O que você achou da proposta pedagógica da SP Escola de Teatro durante sua visita? Você vê paralelos ou comparações com os estudos teatrais que encontrou em outras instituições de sua carreira, como em Yale ou na Jawaharlal Nehru University?

O modelo da SP Escola de Teatro é único na minha experiência com pedagogia teatral ao redor do mundo. Raramente encontrei uma instituição em que teoria e prática estivessem tão intimamente interligadas. Pela primeira vez na vida, vi e experimentei como os princípios fundamentais de Paulo Freire podem ser ativados na integração entre pensamento e ação, de forma não hierárquica e inclusiva. Sou extremamente grato pela oportunidade de ter assistido às peças criadas pelos estudantes das oito linhas de estudo, em uma ampla variedade de disciplinas. Isso foi totalmente diferente da segregação disciplinar que encontrei como estudante na Yale School of Drama, entre 1977 e 1981, onde, como dramaturgo, quase não tive interação com atores, cenógrafos ou técnicos, exceto por breves períodos durante produções específicas. Nem é preciso dizer que o tipo de diversidade que se encontra na SP Escola de Teatro — em termos de classe, raça, economia, gênero e sexualidade — é algo raro em qualquer outra instituição.

Em certa medida, a JNU (Jawaharlal Nehru University), em Nova Délhi, onde lecionei Theatre and Performance Studies entre 2012 e 2018, também era muito diversa, com alunos de diferentes regiões, religiões, castas, origens linguísticas e econômicas. No entanto, a JNU não tem foco em uma formação teatral baseada na prática. É uma universidade que prioriza a pesquisa teatral nos níveis de mestrado e doutorado. Na School of Arts and Aesthetics, temos três especializações: Theatre and Performance Studies, Visual Studies e Film Studies. Estudantes de mestrado podem cursar disciplinas nas três áreas, mas, ao final, o foco está na especialização e na pesquisa acadêmica dentro de uma disciplina específica.

Em contraste, o que torna a SP Escola de Teatro única é que sua própria estrutura obriga os estudantes a interagir entre disciplinas no próprio processo de fazer e criar teatro. Igualmente significativo é o fato de que você pode ter estudantes muito jovens, com formação apenas no ensino médio, interagindo com universitários ou profissionais de outras áreas, como jornalistas. Não acredito que exista outra instituição acadêmica ou profissional com esse nível de inclusão. Além disso, o fato de oferecer um “espaço seguro” para estudantes com diferentes sexualidades e identidades trans a torna muito especial. O que vemos aqui não é uma simples tokenização da diversidade, mas uma afirmação de seu potencial democrático.

Nas conversas com os estudantes da SP Escola de Teatro, que tipos de aprendizados vocês compartilharam?

O compartilhamento aconteceu por meio da comunicação corporal. Tive o prazer de assistir às produções em processo dos estudantes, às quais pude oferecer feedback prático em níveis dramatúrgicos e performativos. Fiquei impressionado com a maturidade dos estudantes ao receberem as observações com tanta atenção e questionamento crítico. Também me impressionou a capacidade deles de trabalhar coletivamente como um coro e de focar em realidades políticas e sociais como migração, degradação ambiental, deslocamento, a luta para sobreviver como artista e as diferenças de classe. O que tornou o processo ainda mais desafiador foi o fato de que as realidades abordadas nas peças estavam ligadas ao tema mais amplo da solidão, que era o foco de investigação do semestre. Tivemos uma troca interessante sobre as sutilezas de diferença nos registros emocionais entre solitude, solidão, isolamento e estar só — em oposição a se sentir solitário. Embora o vocabulário dessas categorias possa ser diferente em inglês e português, os sentimentos fundamentais são mais ou menos os mesmos.

Como você enxerga a relação entre o teatro contemporâneo e os estudos/teorias decoloniais? Esses debates já estão bem desenvolvidos em lugares como Índia e Brasil ou ainda estão em processo de construção e precisam de mais atenção?

É irônico que, embora a teoria decolonial tenha sido criada e mobilizada nos países andinos da América Latina, por meio das investigações pioneiras de pensadores como Aníbal Quijano, Enrique Dussel, Santiago Castro-Gómez, Walter Mignolo e Silvia Rivera Cusicanqui, o impacto dessas teorias sobre a prática performática na América Latina (e no mundo) seja, na melhor das hipóteses, mínimo — quando não superficial. Pode-se argumentar que a categoria do “decolonial” se tornou algo da moda e muitas vezes deixa de se basear nas lições de sua principal fonte de aprendizado: os sistemas e lutas de saberes indígenas.

Acho que o problema de grande parte da prática performática contemporânea é estar excessivamente preocupada com questões ligadas à política da representação. A decolonialidade exige uma crítica aos sistemas de poder existentes — o que Quijano descreveria como os mecanismos permanentes e contínuos da “colonialidade do poder”. Portanto, se alguém é um criador performático decolonial, deve estar consciente não apenas do que faz no palco, mas também da infraestrutura e dos sistemas de organização e financiamento que tornam certas representações possíveis às custas de outras. Inevitavelmente, políticas públicas e o patrocínio estatal às artes precisam estar integrados à consciência dos artistas. Isso raramente acontece, pois não faz parte da pedagogia performática estabelecida.

Ao longo de sua rica carreira, você explorou temas como memória e história oral. Como artistas do Brasil e da Índia podem trabalhar com esses temas de maneira produtiva e eficaz?

Tanto a Índia quanto o Brasil têm longas histórias de chamadas “tradições vivas” de artistas vindos dos setores subalternos e rurais da sociedade. É essencial que não nos isolemos nas cidades e nas culturas metropolitanas sem nos engajarmos com essas culturas em seus próprios termos. Isso significa sair das nossas “zonas de conforto” e viajar para diferentes partes dos nossos países para observar como as formas rituais e culturais populares são praticadas pelas comunidades locais.

Uma das suposições mais contraproducentes é acreditar que “nós” (que vivemos nas cidades) somos “contemporâneos”, enquanto os criadores tradicionais estão presos ao passado. Essa é uma suposição arrogante e colonial. Precisamos perceber que, se “tradições” e “saberes tradicionais” continuam vivos, é porque sempre se transformaram ao longo dos anos. Seus praticantes conhecem bem tanto os benefícios quanto os danos da modernidade. São capazes de transitar entre passado e presente. Uma das maneiras pelas quais conseguem manter vivas suas energias internas é por meio da transmissão de histórias orais e sistemas de conhecimento que não são apenas textualizados, mas performados através da oralidade, da escuta, do gesto, do movimento, da dança e da música. Temos muito a aprender com esses modos corporificados de tradições vivas. E isso requer um certo “desaprender” de nossos preconceitos persistentes e da nossa insularidade metropolitana implícita.

Quais memórias você leva de sua estadia em São Paulo e na SP Escola de Teatro?

Gosto de conhecer pessoas de diferentes partes do mundo. E, nessa viagem a São Paulo e à SP Escola de Teatro, fiquei particularmente tocado pela calorosa interação com seus estudantes e professores. Lembre-se de que venho pesquisando interculturalismo desde que era estudante universitário, em 1977. Hoje, eu me definiria como um “interculturalista convicto”. Em um momento em que genocídios são legitimados em nome da segurança nacional, quando vizinhos se matam, o encontro intercultural entre estranhos se torna ainda mais precioso — justamente por ser tão frágil. Como continuar aprendendo sobre nós mesmos ao mesmo tempo em que nos abrimos para as revelações dos outros? Como colaborar por meio das diferenças?

No cerne de qualquer encontro intercultural está a relacionalidade. É nesse espaço entre o eu e o outro que o processo de aprendizado acontece. Memórias e amizades são cultivadas nesse espaço intermediário. É isso que importa para mim a longo prazo: a possibilidade de desenvolver relações por meio da performance e que possam durar muito além do fim do espetáculo. Nesse sentido, só posso reiterar que minha breve visita à SP Escola de Teatro foi muito mais do que um encontro acadêmico ou profissional; foi uma experiência — ao mesmo tempo íntima e política em suas lições concretas — que me sustentará por muito tempo.

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